Aldeia Maracanã. Parede interna. Quer matar um Povo? Roube-lhes a cultura.
Aldeia Maracanã. Parede interna. Quer matar um Povo? Roube-lhes a cultura.

Por Das Lutas

16/dez/2013

A Aldeia Maracanã foi invadida pelo batalhão de choque da polícia militar às 7h da manhã desta segunda feira. Segundo relatos, a resistência às ameaças de invasão policial e uma ação da polícia federal teriam impedido que a operação se efetivasse no domingo.

É bom que se diga que a polícia federal fala em nome do governo federal, ou seja, o órgão governamental destacado para dialogar com os índios foi a polícia. Fosse esse um caso, já seria grave o suficiente, mas há muito que essa se tornou a forma padrão de “solução” de conflitos. Por aí pode-se medir o desejo de abertura efetiva de diálogo e a possibilidade concreta de salvaguardar os direitos indígenas. Sendo otimistas, podemos dizer que a ministra de direitos humanos trabalha com uma lentidão condescendente tanto com a ação das polícias nas capitais, quanto com a ação assassina das milícias que agem contra os índios no interior do país. Sendo realistas, devemos dizer que o trabalho lento e/ou inexistente da ministra do diretos humanos é obra de um governo federal que destrói os direitos em prol das grandes obras, dos grandes negócios, de uma macroeconomia que, sabemos hoje, vai de mal a pior. Não há novidade, a senadora Katia Abreu e a bancada ruralista tomaram a frente nos trabalhos da Comissão de Agricultura com o espírito que a própria senadora faz questão de frisar: “Depois que nós finalizarmos a questão indígena, eu quero saber qual é o outro tema que eles vão inventar para poder atrapalhar a agropecuária brasileira”[1]. Não há engano ou inocência, tudo está às claras e em consonância com o projeto do Brasil “Grande” do governo federal. Hidrelétricas no interior do Pará, com suas irregularidades e arbitrariedades, Aldeia Maracanã na capital do Rio, e a violência de suas desocupações.

Especificamente no caso da Aleia Maracanã há um componente a mais. Primeiro, essa ocupação existe há mais de 7 anos como um espaço onde os índios viviam e praticavam seus rituais e trabalhos. Durante esse tempo, vários projetos foram desdobrados pelos índios em parcerias com governos e universidades. Os governos recusaram todos os projetos em que os índios mantinham a posse da terra e a autonomia sobre as ações desenvolvidas no local. Depois de privatizar o estádio do Maracanã, o governo do estado estava pronto para concretizar os acordos feitos com as empreiteiras e iria derrubar uma escolar municipal, um centro de treinamento para atletismo e esportes aquáticos e a Aldeia Maracanã. Houve muita resistência por parte da população. No meio das jornadas de junho, índios e apoiadores reocuparam a Aldeia. Numa jogada para tentar salvar sua avaliação popular, que na época estava baixíssima, o governador voltou atrás e disse que não iria remover nem a escola municipal, nem o centro de treinamento, e que iria dialogar abertamente com os índios através da secretária de cultura, Adriana Rattes. Os termos da negociação: o governo manteria os ocupantes sob sua tutela. A gestão ficaria nas mãos da secretaria de cultura e os índios operariam apenas como “consultores” do espaço cultural, sem poder sobre terra, ações ou projetos desenvolvidos lá – em poucas palavras, o projeto do governo evidenciava uma forma meramente mercantilista de se compreender a cultura indígena. A grande maioria que vivia na Aldeia não aderiu à proposta e seguiu resistindo.

A Aldeia seguiu criando mil outras formas de se manter viva dentro da ocupação, desde de aulas de Tupi, exibição de filmes, até a luta para conseguir apoios a um projeto maior, a Universidade Indígena – um projeto feito em parceira com universidades e que poderia ser levado à frente dentro de um plano urbano com verdadeiros legados humanitários para a população, por exemplo. Dentro desse processo, a Aldeia traçou alianças com as diversas assembleias populares que tinham se espalhados pela cidade, se transformando em uma espécie de referência de resistência e criação colaborativa. Mesmo enfrentando vários problemas internos, soube se manter ativa e propositiva diante dos inimigos externos que contavam com sua paralisia. Essa paralisia não ocorreu, e o governo usou o único meio que sabe, a violência gratuita e ilegal, patrocinada e permitida pelo governo federal.

Durante uma reunião da FIP, Frente Independente Popular, realizada na Aldeia Maracanã[2] no último domingo, uma das empresas que administrarão o Complexo do Maracanã fez uma primeira tentativa de destruir um prédio anexo à aldeia. A Aldeia respondeu e tentou parar a destruição, o que se seguiu foi, como já dissemos, a ação truculenta da polícia militar, numa manhã de segunda feira, com agressões a índios e apoiadores, e a retirada de quase todos os índios.

No momento em que escrevemos este texto, um dos índios segue resistindo, em cima de uma árvore, numa última forma de sobrepor a violência estatal, tentando de maneira pacífica continuar no espaço sagrado que lhe pertence. Não é preciso lembrar que a terra tem outro valor para os índios. A posse da terra está ligada à cultura de um povo, ao seu modo de vida e sobrevivência, não guarda relações com a ideia de propriedade privada. Por isso falamos em defesa da posse da terra sagrada indígena.

Nesse e em outros conflitos, não basta dizer que a lei está ao lado do Estado, que ela serve a este e à elite econômica. O que se torna fundamental é perceber que mesmo os avanços alcançados por dentro das leis são relativizados ou simplesmente jogados fora quando o Estado é quem está em um dos lados do conflito. A invasão da Aldeia Maracanã e a desocupação, além de violenta, foi feita sem nenhum respaldo legal. Não havia mandado judicial para isso, o que é absolutamente necessário nestes casos, segundo a lei que dizem defender. Toda ilegalidade praticada pelo Estado é justificada ou aceita, não por assumirem a arbitrariedade e violência das leis, mas pelo desejo pela permanência das relações de poder, pela aceitação da destruição de qualquer diferença, desde que ela proteja a “minha ida ao trabalho, a circulação do meu carro”. Para problematizar concretamente as circunstâncias que permitem essas violências, é sempre necessário um pouco mais de esforço colaborativo e desejo real por outra organização social concreta. Esse desejo genocida que se enrosca nas grandes obras é alimentado e alimenta o modo de vida do homem dito “de bem”. Não compactuamos com isso.

Os índios estão dispostos a lutar por suas culturas e por sua sobrevivência, tanto aqui na Aldeia Maracanã, quanto nas terras demarcadas e as que estão para ser demarcadas país adentro. Apoiamos a luta dos índios, lutaremos com eles onde for preciso e como for possível. Acreditamos que a violência seletiva da lei deve ser extirpada sim, mas em prol de quem luta por direitos e não em prol da macro economia e sua maquina violenta de articular desejos fascistas.

Notas