Por Aganju Shakur

Reaja Organização Política
  1. Observando do subterrâneo e sentido odor da fétida cortina de fumaça

É seis de fevereiro de 2017, estamos em salvador a capital neocolonial do Holocausto negro e acordamos cedo com o som ensurdecedor do helicóptero do GRAEER, sobrevoando desde a madrugada o complexo de comunidades do Cabula.  No dia anterior nós da Reaja Organização Política construímos junto com familiares uma ação comunitária em uma das entradas principais do Cabula.  Realizamos um mutirão de grafitt sobre um clima de tensão latente, pois três dias antes Policiais das Rondas Especiais (RONDESP) tinham executado três jovens homens negros na comunidade; abordaram, torturaram, perfilaram e atiraram dezenas de vezes no crânio de cada um ate as cabeças liquefazerem em uma mistura de pólvora, cápsulas de fuzil e massa encefálica.

A comunidade aterrorizada estava trancada dentro de casa e nós na rua grafitando, sendo intimidados a todo momento por viaturas da Rondesp que passavam ao nosso lado lentamente a todo momento, com fuzis para fora das janelas, brucutus escondendo seus rostos e nos fotografando. Mas tínhamos uma tarefa a cumprir e mais uma vez estávamos reerguendo a memória dos jovens homens negros executados na Chacina do Cabula.

Depois de acordarmos, nos alimentarmos e tomarmos a benção da mais velha da casa, que gentilmente nos hospedou nesses dois dias de ação comunitária, saímos pelos becos, vielas e ladeiras, evitando os policiais que há dias aterrorizam a comunidade durante a madrugada, atirando a esmo, torturando e intimidando qualquer um/a que ousasse quebrar o toque de recolher que instauraram ilegalmente, inclusive, proibindo ate mesmo ônibus de circularem pelo bairro. Tudo transcorreu bem no trajeto, e a qualquer sinal dos Bota Preta os “pivete” nos acionava gritando “melô por ai vão por aqui”. Antes de chegar a nosso destino passamos na casa de uma das famílias que perderam parentes na Chacina do Cabula, para encontrar o restante de nosso Bonde; Us/as Camisa Preta. Depois de acertarmos os detalhes de segurança e “resenharmos” um pouco para diluir a tensão, fomos em marcha pela avenida principal; nós e os familiares. Eu ainda não acendi nenhum cigarro.

Nós marchamos mais uma vez pelas ruas da Vila Moises, sobre o olhar cauteloso de curiosos que nos observavam dos ônibus, das lojas, das lajes, todos atentos e apreensivos, pois desde o começo de nossa marcha silenciosa estávamos sendo seguidos a poucos metros por uma viatura do Pelotão de Emprego Tático Operacional (PETO). Nosso destino é o campinho de futebol da Vila Moisés, local onde a RONDESP emboscou, torturou e executou com mais de 500 tiros a queima roupa 12 jovens negros e onde, no mesmo local que tombaram,  erguemos um memorial em mármore pela justiça e verdade dos executados na chacina do cabula e em memória de todas as vítimas da Guerra racial de alta intensidade na Bahia.  Mais uma vez marchamos; nós e os familiares, vestindo nossas camisas pretas. Um grupo muito diverso isso é fato; mães que perderam filhos, pais que perderam fihos, um pai que perdeu uma filha, viúvas, crianças, desempregados, professores, pedreiros, diaristas, médicos, feiticeiros, rapers, pichadores, estudantes secundaristas e universitários, poetas, atores, ex-presidiários; pretos/as em toda sua diversidade, intensidade e responsabilidade comunitária.

Aos chegarmos ao campinho mais familiares e amigos/as das vitimas se juntaram a nossa marcha fúnebre ate o púlpito que erguemos e onde instalamos há dois anos uma placa em mármore com os dizeres.

Em memória dos nossos mortos mantemos viva a luta do povo negro na diáspora – Campanha Reaja ou Será Morta/o, 24 de agosto de 2015

Depois de alguns minutos de silêncio a “dôtora” quebrou o silencio falando sobre o significado de estarmos ali novamente; nesse momento as folhas das enormes jaqueiras balançaram com um vento suave – e recordei – quer certa vez o coroa diz ter lembrado de mim quando as viu.  Escutando suas palavras não pude deixar de me lembrar dos escritos de Assata Shakur e por que para nós da Reaja é um principio as mulheres serem o comando Máximo de nossa organização.

Logo depois o “pivete” largou um poema recalcitrante, uma verdadeira radiografia do terror racial e terrorismo de Estado do governo da Bahia  –  a   juventude negra ainda esta de pé, viva, orgulhosa e lombrando a babilônia – foi o que pensei quando acabou de recitar. Logo após, outra mulher de nosso comando máximo leu um poema de nossa referência política inconteste – Assata Shakur –. Depois disso os familiares falaram, choraram, profetizaram – e não duvide das profecias apocalípticas das tias – dando os contornos da nossa luta nos próximos 10 anos. E foi então que o coroa começou a falar.

O coroa falou muita coisa, mas uma de suas falas que não me sai da mente foi sobre o silencio cínico sobre Genocídio de Negros na Bahia. O silencio, o cinismo esses são inimigos que devem ser temidos e combatidos com ferocidade, por que ao fim e ao cabo, a Bahia, esse estado desgraçado que mata negros todos os dias, é sustentado por um grande conluio de cínicas/os. E foi então que percebi a cortina de fumaça que estávamos emersos, uma cortina de fumaça orquestrada pelo governo da Bahia para blindar seu governador supremacista brankkko de ex-querda, do escândalo internacional que é a Chacina do Cabula.

Uma cortina de fumaça habilmente preparada e articulada por diferentes dispositivos das linhas auxiliares; agrupamentos da ex-querda, cartéis de comunicação da supremacia brankkka, movimento negro capitulado e lotado nos cargos do governo. Todos unidos em sua depravação e apodrecimento ideológico em defesa do que restou do PT (Partidos dos Traidores que se dizem dos Trabalhadores). Então é isso, se você está emocionado/a pare de ler esse breve ensaio pois sua pressão pode subir e o estomago revirar, mas saibam que as páginas que seguem nada mais são, do que uma analise intracomunitaria do papel das linhas auxiliares na manutenção da cortina de fumaça em torno dos dois anos da Chacina do Cabula. Sem dengo muito menos carga emocional.

  1. Uma cortina de fumaça de racismo, cinismo e silencio.

A cortina de fumaça em torno dos dois anos da Chacina do Cabula tem como objetivo tático blindar e resguardar o desgastado governo supremacista brankkko do PT na Bahia e teve no conjunto de suas Linhas Auxiliares os baluartes fundamentais para sua concretização. Você que esta lendo esse ensaio, seja aliado, apoiador, ou mesmo nosso inimigo, faça um breve exercício e realize uma busca no Google sobre a chacina do Cabula, buscando informações sobre o ano de 2015, 2016 e 2017. É perceptível e evidente que há um hiato comunicacional, sobretudo, no ano de 2017 ao ponto que é possível contar nos dedos de uma mão, notícias, textos, ou matérias de jornal sobre uma chacina que ficou reconhecida internacionalmente, chegando inclusive, a foros internacionais da Organização dos Estados Americanos. Esse fato que não é mera coincidência, faz parte do conjunto de dispositivos de neutralização da luta comunitária dos familiares das vitimas do Cabula, que mesmo após a decisão judicial relâmpago em primeira instancia – que absorveu os nove policiais envolvidos na matança -, continuam em uma luta subterrânea pela justiça e verdade dos jovens abatidos.

O primeiro dispositivo que compõem essa espessa e macabra cortina de fumaça são os cartéis midiáticos supremacista brankkkos da Bahia, que entra governo, sai governo, sempre tiveram uma postura racista, belicista e de desumanização da comunidade negra.  Há dois anos a mídia branca de rapina, sejam os programas sensacionalistas de meio dia, ou mesmo, o establshiment impresso e digital, noticiaram amplamente a Chacina do Cabula até o término do processo judicial em primeira instancia. Depois de ganharem muito dinheiro com a desgraça coletiva dos familiares e cumprirem, cada qual a sua maneira, seus objetivos financeiros e políticos, relegaram o massacre ao esquecimento. Com a chacina completando dois anos, poucas ou quase nenhuma dessas mídias noticiou os desdobramentos e pouquíssimos canais de comunicação, se não apenas um, fizeram uma matéria digna de ser citada no presente ensaio, com destaque para matéria assinada por André Uzêda no Aratu Online.  Matéria essa que logo em suas primeiras linhas reconhece o silencio sepulcral em torno da chacina,

“O silêncio corta 12 corpos e os faz tombar, sem vida.  São 88 cápsulas de completo mutismo que continuam em rota assassina na Vila Moisés, região do Cabula. Hoje, 6 de fevereiro, completa-se exatamente dois anos do massacre policial que vitimou uma dúzia de jovens negros, pobres, da periferia…. Para não deixar a data esquecida, o grupo ‘Reaja ou Será Morta/Reaja ou Será Morto’ organizou uma pichação no dia de hoje em frente ao campinho onde uma dúzia de vidas foram ceifadas” (Chacina do Cabula completa dois anos e familiares buscam novo julgamento e romper silêncio – Aratu Online).

Bem, apesar de não termos feito uma pichação e sim uma grafite é importante a declaração do jornalista, especialmente, em suas primeiras linhas, pois mesmo uma rede de comunicação supremacista brankkka reconhece o conluio orquestrado para silenciar a justiça e verdade sobre a chacina do cabula e mais que isso, aponta que vozes destoantes continuam a consolidar uma justiça de caráter comunitário.

Um segundo dispositivo que deu sustentação a essa cortina de fumaça são os grupamentos de ex-querda. É obvio que não esperaríamos menos dessa escoria. Mas cabe recordarmos, que no ápice da luta pela justiça e verdade das vitimas da chacina do cabula, variados grupamentos de ex-querda lotados em partidos oposicionistas ao PT, agrupamentos estudantis universitários, intelectuais de ex-querda e movimentos sociais aparelhados a ordem estabelecida, realizaram uma verdadeira pirotecnia nas redes sociais. Ao ponto de realizarem o que chamaram de “protesto” durante uma intervenção do governador Rui Costa no congresso do PT em um hotel cinco estrelas no Rio Vermelho. Onde estariam esses “militantes” que gritaram emocionados “Cabula!, Cabula!, Cabula!” ou “Não ao extermínio da juventude negra”?

Os que não conseguiram integrar-se a extensa rede de cargos comissionados, institutos e REDAS sobre o controle do partido, estão em silêncio, pois como já se passaram as eleições municipais, não é mais interessante “radicalismo”, o objetivo agora é reconstruir a imagem do governador para as eleições estaduais que se aproximam e em um contexto de derrocada do PT a nível federal, o governo do Estado é a última fatia do bolo a se abocanhar por essa escoria de parasitas, verdadeiros vermes que não fazem nem peso na terra.

Por fim, mas não menos importante, discorreremos sobre o papel do Movimento Negro Linha Auxiliar na montagem e legitimação de uma cortina de fumaça que, não só silenciou a memória dos executados na chacina do Cabula, mas que na última década tem “passado o pano” para o banho de sangue perpetrado pelo Terrorismo de Estado na Bahia. Como narrou Fela Anikulapo Kuti em sua Biografia as elites negras tem sido uma constante histórica na Luta de Libertação do Povo Negro na Diáspora Negra.  Elites políticas, intelectuais, militares, religiosas, estéticas, que, apesar de cumprirem os ditames de seus senhores, não são reconhecidos pelos mesmos como aliados e, sim, como servos. Em alguns momentos patrimonializam o Estado, mas não controlam os fluxos do capital financeiro internacional. São em nível domestico os caseiros dos senhores brancos que comandam a Nova Ordem Mundial. Como analisou com maestria Kwame Nkrumah; sua principal tarefa é o colonialismo interno que da sustentação a uma ordem neocolonial a nível global. Mas nós estamos na Bahia; aqui não há limites para a capitulação racial das linhas auxiliares, vejam a noticia abaixo retirada do portal supremacista brankkko do G1,

“Policiais militares que participam da seção de artes da corporação se apresentaram na 38ª Noite da Beleza Negra, que coroou a Deusa do Ébano do bloco Ilê Aiyê, no último sábado (4), em SalvadorNo lugar do indumentário do bloco afro, o figurino dos policiais, a maioria PMs femininas, foi o uniforme que usam para trabalhar nas ruas da cidade… O grupo de policiais mostrou na senzala um trecho do espetáculo “África: um conto cantado”, que fala sobre herança africana na cultura brasileira e da participação da mulher negra nesse processo. A seção de artes da Polícia Militar tem sede no bairro do Pelourinho e busca estreitar o canal entre a corporação e a comunidade”. (Portal G1, PUBLICADO EM 08/2/2017)

De fato, foi sepultado em cova rasa mais de três décadas de historia, que diga-se de passagem, uma historia marcada por uma relação quase depravatoria com a supremacia brankkka na Bahia. Seja nos tempos do kkkbeça brankkka grampeador de painéis, Antônio Carlos Magalhães, seja na gestão do “nazista” Jacques Wagner ou sobre a égide do Governo das chacinas de Rui “Corta”, entidades negras das mais diversas matrizes ideológicas tem deixado em evidencia sua posição política em relação ao Genocídio de Negros na Bahia; uma posição alicerçada no silêncio, cinismo e apatia – Cúmplices na matança. Entretanto, não podemos esquecer que o tipo ideal em tela é apenas uma cortina de fumaça que esconde um oceano diverso de Linhas auxiliares; que tem lucrado frondosos recursos, seja através de folhas de pagamento do Estado ou de lobbys financeiros da promoção da igualdade, com seus discursos necrosados e hipócritas dizendo para seus senhores: “Parem de nos matar”.

Vejam bem, mais uma vez a corporação que mais mata negros no mundo dançou simbolicamente sobre vísceras, cabeças cortadas e membros decepados de negros/as na Bahia; mas não dançam só. Nesse mesmo dia uma gama enorme de ditos “militantes negros/as” fizeram declarações hipócritas na Senzala do Barro Preto (uma senzala de fato onde é o lugar de escravos) em protesto ao que chamam de “extermínio da juventude negra”.

Não sejamos ingênuas/os, a elite negra político-intelectual é doentia e para além de amar seus senhores amam mais ainda a matança pois é através do sangue dos negros escorrendo todos os dias na Bahia que estão pagando a escola de seus filhos, viajando semanalmente na ponte aérea Rio-São Paulo – com escala de 5 horas em Brasília para compras – e consolidando cartéis empresariais nas migalhas do capitalismo financeiro. É tudo muito escuso, corrupto e nocivo nessa terra onde os sabidinhos/as lotados nos dispositivos de rendição racial da promoção da igualdade postam fotos de livros de Achile Mbembe mas continuam a estreitar laços organizacionais com a corporação necroestatal que mais mata negros no planeta terra.

Mas apesar dos pesares estamos bem. Como o coroa falou a gente não tem que ver bicho com nada. Ainda estou aqui, castelando as folhas da jaqueira balançando com o beijo suave do vento. Tocando no Idé que o Deus da Guerra me deu. Estou aqui e acabei de apagar o cigarro depois que ouvi a profecia da tia, e lembrei de uma idéia que o coroa me ensinou “O tigre não proclama sua tigritude.Apenas ataca a presa e a mata”.

Por Aganju Shakur

Reaja Organização Política

Fevereiro de 2017

Contra o Genocídio do Povo Negro, Nenhum passo atrás!

Pela Imediata Federalização da Chacina do Cabula!